no canto da ilha

era 29 de junho. fazia uma semana que o inverno havia chego na ilha e no resto do sul do mundo. no ônibus, eu já tinha escutado que esse seria um inverno quente. el-niño, diziam as mais sabidas. talvez fosse só o aquecimento global. ou a gente cada dia mais louca com a conjuntura do sul do mundo periférico, mexendo o corpo pra tentar mexer as estruturas. isso deve fazer suar.

eu sei que era inverno e fazia calor

a feira do canto da ilha comemorava dois anos naquele sábado. sediada em um prédio da cut, a feira acontecia na entrada do que foi um presente de trabalhadores alemães a seus compas brasileiros. soliedariedade da classe, porque trabalhadoras não tem pátrias! só patrões. crise crise crise crise crise

não pense em trabalho: crise!

a peça começou no calor do inverno, com a carne exposta ao sol pela primeira vez. a luz, que vinha do anúncio do dia estar em sua metade, fazia o olho raiar. pupila a mil, pouco lembro de enxergar a platéia. sei que era um tanto de crianças, um tanto de vendedoras, um tanto de militantes. a voz, projetar mais a voz. a falta do eco de si, sem as paredes próximas, faz parecer que posso ser ouvida ali da montanha atrás do prédio. quem sabe até do mar, do fundo do mar, pelo pescador ali.

ser ouvida nas histórias de tantos trabalhos mal pagos, precarizados. exploração. assédio. a peça é isso. crise crise crise crise crise

mas, opa! se liga! greve geral, ação direta que derruba o capital! esbravejei pra ver se a cut ouvia mesmo. se algo ali pudesse fazer a central única dos trabalhadores voltar a construir com os trabalhadores e sua crise crise crise crise crise

só a luta muda a vida, cut

só a luta, inclusive na peça. fim, calor. terminamos de cara pro sol, de cara para um calor surpreendente em pleno inverno. surpreendente como a espanha revolucionária de 36 foi para uma europa totalitária ou o levante zapatista de 94 para uma américa latina fundada no genocídio indígena. tantos exemplos do povo organizado surpreendendo com o calor en el pecho

depois do gota, a feira seguiu com uma batalha de rap. todas as rimas trazendo crise crise crise crise crise, denúncia e anúncio pras periferias. é pow pow pow

era inverno e ainda assim fez calor no canto da ilha, no sul do mundo

venceremos!

da gota d’água

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